Faleceu mais um artista de grande sucesso popular de quem muita gente jamais tinha ouvido falar. Há ainda quem se espante com isso. Encaro com naturalidade, fenômeno esperado nos tempos em que vivemos.
Contudo, para quem nasceu e cresceu na época da cultura de massa e ainda não se deu conta das novas dinâmicas, isso parece estranho. No século XX, era assim: todo mundo basicamente via, ouvia, assistia às mesmas coisas, pelo rádio, pela televisão, pelo cinema... Em uma ponta e outra - a dos que tinham acesso à produtos culturais mais caros ou dos que só tinham acesso ao que se produzia localmente - os números de fãs eram poucos. Os artistas muito populares sequestravam milhões de corações na audiência robusta do meio, do gosto médio.
Hoje, com o barateamento de computadores, smartphones e outros equipamentos, há uma facilidade bem maior de comunicação, produção e distribuição de conteúdo, além da melhoria e alcance de transportes que levam o artista onde seu público está.
Tem mais. Quem anda pelas ruas de Paris, Nova York ou Rio de Janeiro, percebe que as populações periféricas das metrópole têm mais em comum do que um morador do Leblon com outro do Cesarão, habitantes da mesma cidade. Se um artista do Capão Redondo fizer bem (ou contratar quem faça bem) o trabalho de divulgação do seu trabalho, vai atingir, conseguir se comunicar e conquistar pessoas que apreciem sua obra por identificação com seu discurso, por exemplo.
Por outro lado, como essa comunicação não é direcionada a ele, nem passa pelos canais de comunicação que ele sintoniza, é natural que alguém de meia-idade morando num bairro classe média não saiba existem, nem saiba diferenciar, Mc Kevin de Mc Kevinho ou de MC Kevin O Chris. Ele também ignora que cada um desses artista têm milhões de seguidores e lotam espaços nas periferias brasileiras, mesmo durante a pandemia. Da mesma forma, as informações a que este senhor está exposto passa longe do radar de quem sobe e desce ruas e vielas nas favelas.
Fim da cultura de massa. Alô, cultura de nichos. A cauda longa* nunca foi tão comprida nem tão robusta. Para cada bilhão que vê Anitta até debaixo da própria cama, milhões que se sentem representados por centenas de Cristianos Araújos ou milhares de sensíveis que apreciam milhares de Tulipas Ruizes.
A constatação da ignorância da realidade do que retém a atenção e molda o gosto do outro não é em si ruim e me parece mais um exercício de humildade quanto às próprias limitações de assimilar a quantidade absurda de informação que brota de todos os lados o tempo todo. A quizila começa quando se estabelece juízo de valor sobre o consumo cultural alheio, seja desprezando-o pelo suposto mau gosto, seja atribuindo-lhe esnobismo vazio.
Cho, chuá! Tem pra todo mundo! Inclusive fones de ouvido.
* Chris Anderson, explorou o fenômeno da 'cauda longa' em um artigo que se tornou um dos mais influentes ensaios sobre negócios de nosso tempo. Usando o mundo dos filmes, dos livros e da música, mostra que a Internet deu origem a um novo universo, no qual a receita total de diversos produtos de nicho, com baixo volume de vendas, é igual à receita total de poucos produtos de grande sucesso. Por isso cunhou o termo 'cauda longa' para descrever essa situação, o qual tem sido usado pela alta gerência das empresas e pelos meios de comunicação no mundo todo.
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